Dois acontecimentos marcaram este ano: o Cavaco parou o país para falar dos Açores e o Obama ganhou a eleições americanas. O que é que estes dois acontecimentos têm em comum? O facto de não mudarem nada.
1. O acontecimento do Cavaco vale o que vale. Não vale nada, portanto. No entanto, se visto numa perspectiva transversal, ele resume bem um ano intensamente vivido politicamente. O presidente da República põe o país em suspenso – sim, porque o presidente da República tem o poder de pôr República suspensa – para falar de um desentendimento com o governo em relação a uma questão de pormenor nos Açores. Nada disto seria grave, se não fosse este o presidente da República esfíngico que não reage quando se fala da crise na Educação. Não seria grave, se não fosse este o presidente que não fala quando o governo regional da Madeira suspende a democracia (mais do que semestralmente…), ao impedir um deputado eleito de entrar no parlamento regional. Não seria grave, se este mesmo presidente da República falasse de precariedade, de desemprego, do serviço nacional de saúde – esses sim, problemas de regime. Não seria grave, se ele falasse de mais alguma coisa. Mas não fala, e por isso é grave.
2. Sejamos claros: a vitória do Obama traz um factor de mudança. É inegável. Antes de mais, traz um capital de esperança para os milhões de negros que há muito lutam pela igualdade nos Estados Unidos. Mudança haverá também em Guantanamo, por exemplo, acabando com uma das prisões mais vergonhosas da História. Mas o caso dos Estados Unidos, por se tratar do coração (embora um coração à beira de um enfarte) do capitalismo mundial, é sempre um caso à parte. E vitórias não esperamos nós do capitalismo. Porque os negros não vão deixar de ser explorados e discriminados porque Obama elegeu mais senadores, nem o facto de Obama ter vencido na Califórnia vai cessar a guerra infinita.
Ainda sobre a mudança. Li recentemente um artigo – datado de oitenta e pouco e publicado no jornal Combate – do recentemente falecido João Martins Pereira. Aí, Martins Pereira explicava brilhantemente a evolução de uma direita conservadora e saudosista, para uma direita com uma enorme paixão pela mudança. E aí se dizia algo que muitos parecem querer esquecer; é que nunca, ao longo da sua história, a Esquerda falou de mudança. Fala, isso sim, de transformação.