a praxe aliena @s estudantes

Excerto de um texto encontrado num blog público:

"Nisto, o meu telemóvel toca.

- Paulo?

- Onde é que estás?

- A ir para a minha avó e só depois é que vou para a UM.

- A que horas 'tás cá?

- Sei lá! Daqui a meia hora talvez.

- CALOIRA! QUERO-A AQUI ÁS 17H EM PONTO! Tem praxe marcada, 'TÁ A OUVIR??? Olhe que eu 'tou trajado e de capa traçada!!!

Do outro lado do telemóvel eu desatei a rir às gargalhadas, não ouvia berros de forma tão convincente desde Maio! E que berros!!!

- Sim, Senhor Doutor, já vou.

- Acho bem, caloira. Até já e não se atrase!

Dez minutos atrasada, lá estava eu, a chegar. Percorri o caminho que me levava ao CP2, e lá estava ele, trajado, de capa solta, à minha espera. Conversa terminada e ele traça a capa. Não baixei a cabeça, mas fui incapaz de o olhar nos olhos.

- Não traces a capa à minha frente, por favor.

- Porquê? - pergunta ele por entre um sorriso mafioso.

- Não traces, pronto.

- Oh cala-te lá, vou mas é ter com os caloiros.

E foi. Aí eu apercebi-me do que ele tinha dito, "vou ter com os caloiros". Tinha deixado de ser caloira dele, já não era uma das suas bestas, uma das suas malaburras a quem ele berrava aos ouvidos. Não era a mim que ele dava sermões, não era a mim que ele castigava, não era o meu tempo, porque o meu tempo já tinha passado. Pela primeira vez o vi de capa traçada na minha frente, sem que me dissesse: "Caloira, olhos no chão! E não se ria senão 'tá a encher!" Pela primeira vez não me pus em posição de bloco. Deu-me uma tristeza de tal modo gigantesca, que juro que a descrevia se pudesse, mas não consigo.

Não fui ao Juramento, como tencionava. Dei meia volta e vim para casa. Perdi a vontade.

Já não era caloira. Já não sou caloira.

P.S.: Para quem não sabe o que é "traçar a capa", (...) eu explico. Quando um praxante traça a capa, quer dizer automaticamente que estamos em praxe, que temos que por olhinhos no chão e ser obedientes. A partir do momento em que o Praxante traça a capa, o caloiro deixa de ser pessoa e passa a ser besta. É o momento em que ficamos "sob praxe". Caloiro que é caloiro até treme quando lhe traçam a capa à frente."

Apesar de ter consciência que há montes de estudantes que adoram a praxe e acham que é uma das melhores coisas do ensino superior, nunca pensei que chegasse a este ponto.