sábado, 21 de novembro de 2009

Nem anjos, nem predadores

Definições Estipulativas - Metafísica e Natureza Humana

Porfírio Silva aplica o termo "metafísico" numa multitude de situações, conferindo-lhe uma estranha mobilidade semântica.


Parece não conseguir distinguir entre a natureza humana, essencial, e a pluralidade das suas manifestações, que da sua essência derivam. A natureza humana é um factor necessário, ao passo que as suas manifestações são contingentes e altamente condicionais: a natureza humana é, em última análise, dialéctica. É portanto inútil falar de seres humanos essencialmente predatórios ou sumamente bons.

A Metafísica lida com as questões da identidade e da categorização. É compreensível que se entidade X apresenta características tais que Y e Z, sendo que ambas são consistentes com A, X é A. Se eu defender defender a posse colectiva dos meios de produção e a igualdade de acesso aos recursos, eu sou, necessariamente, Socialista. Assim como todos os sujeitos que partilhem de Y e Z são necessariamente A.

Resta dizer, no que concerne à natureza humana, que estes possuem uma vasta gama de sentimentos morais, nos quais se encaixa a cooperação. A cooperação é um dos mais importantes factores de evolução, e um comportamento cuja base biológica é perfeitamente coerente com o interesse próprio e consistente com a perspectiva dialéctica da natureza humana. Nem anjos, nem predadores.

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Pedagogia para a Responsabilidade Social e Racionalidade Limitada

Retirando a camada não-essencial da questão (o problema das Taxas Moderadoras no acesso à saúde), é imperativo abordar as afirmações que subjazem o argumento. Não é necessário que todos os seres humanos sejam 'racionalistas extremos', computando todas as contingências das suas acções através da razão pura, para que exista um esforço pedagógico no uso sábio da provisão pública. Os seres humanos não são "máquinas de estímulos" simples, são máquinas complexas e altamente sensíveis às condições sociais. São agentes morais autónomos, que existem num estado de racionalidade limitada - a sua agência limita-se, frequentemente, pelo conhecimento de que dispõem.

Não se equipara aqui a virtude moral com o conhecimento, numa expressão de intelectualismo moral que é apanágio do pensamento platónico, mas o fomento activo de laços sociais que permitam inibir o aparecimento de características 'predatórias' no agente moral.

Sinais de Trânsito: Triagem de Manchester


Um dos grandes "sinais de trânsito" que existe a nível do acesso à Saúde no contexto da Urgência Hospitalar é o estabelecimento de um sistema de triagem, denominado Triagem de Manchester. O sistema estabelece prioridades de acesso consoante o grau de necessidade clínica do paciente. Se já existe um dispositivo que modera rigorosamente (com bases clínicas) o acesso à saúde, as taxas "moderadoras" servem apenas o objectivo de financiar.
Acresce que as taxas são péssimos sinais porque sendo iguais para todos, não pesam de igual forma em todos. A sensibilidade à ideia de necessidade ou escassez consoante a carteira de cada um apenas sinaliza ao utente que a saúde é uma mercadoria pela qual ele tem que pagar. Não é a exclusão pelo preço que induz os comportamentos de responsabilidade que procuramos despertar, pelo contrário, podemos ignorá-los se pagarmos, como aqui se refere.

Serei metafísico ao ponto de extrapolar da minha experiência individual a proposição de que ninguém gosta de se dirigir a uma urgência hospitalar com leves sintomas de síndrome gripal, receber uma pulseira azul (não prioritário) e aguardar seis a oito horas numa sala de espera. Arrisco que esta proposição pode, quase, adquirir força dedutiva. Mas sob o risco de ser considerado 'metafísico', deixarei a questão no reino da indução, salientando que a Triagem de Manchester é um óptimo "sinal de trânsito" no que concerne ao acesso à saúde de quem realmente necessita dela.

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