Foi há 20 anos que o mundo mudou. Foi há 20 anos que milhares de pessoas com as suas próprias mãos pulverizaram o ódio e a segregação que aqueles 3,6 metros de betão em Berlim representavam. Foi há 20 anos que caiu o muro que dividia Berlim, a Alemanha, a Europa e o mundo.
Mas os muros ainda existem. Há cerca de 6 meses fui a Palestina e deparei-me com um muro de 8 metros de altura e com uma extensão prevista de 721 km, que dissecava várias cidades, aldeias, propriedades, campos e as suas populações. Fui visitar uma aldeia que vive e sobrevive os traumas impostos pela muralha, pela segregação e pela ocupação Israelita que são demasiadamente comuns na Cisjordânia. Bil’in (بلعين) é uma aldeia Palestiniana que fica a 12 km de Ramallah, na Cisjordânia, adjacente a muralha israelita e ao colonato de Modi’in Illit (מוֹדִיעִין עִלִּית). É uma aldeia rural, nua, depravada de várias infra-estruturas, onde o centro de actividade aldeã situa-se em redor da escola, da mesquita e do muro em si. Aqui as crianças andam descalças na rua, jogando a bola com trapos e estendem os papagaios ao vento, de forma a canalizar a frustração e humilhação diária que é imposta pela ocupação Israelita.
Em Bil’in o muro não é construído em betão, não tem 8 metros de altura e não tem o sistema de vigilância electrónica noutros sitios. Aqui, o muro é uma cerca de arame, com arame farpado, portões e um checkpoint Israelita. Aqui a fiscalidade do muro não conta, o que conta é o que o muro faz. Esta barreira separa a aldeia de Bil’in de cerca de 60% das suas terras, uma aldeia que é totalmente dependente da agricultura e dos seus frutos. O acesso as suas terras e as suas oliveiras tornam-se um feito impossível. Para tal, estão a mercê e a vontade dos soldados e dos tribunais Israelitas se o portão está aberto ou fechado, são eles que decidem quando querem, como queres e por que razão querem. Contudo, o acesso nunca lhes é permitido, sob o pretexto que é uma zona militar. “Estamos em Guerra” é a frase mais utilizada pelos soldados Israelitas para justificar o injustificável. Na sua essência, o acesso as suas terras é interdito. É interdito, como está em risco de expropriação visto que consoante a lei Israelita, terras que não sejam atendidas após 1 ano são automaticamente expropriadas. Ao mesmo tempo que são proibidos de ter acesso as suas terras, vêm crescimento e avanço do colonato de Modi’in Illit.
Mas tamanha humilhação e violência estrutural não tem passado despercebido. Desde 2005, a aldeia tem organizado manifestações pacificas semanais que inclui a presença de várias organizações internacionais tal como a International Solidarity Movement. Estes protestos tomam forma de uma marcha que inicia no centro da cidade e termina no na barreira, como forma de parar a construção do muro ou do desmantelamento de porções já construídas. Mas o verdadeiro objectivo deste protesto semanal é demonstrar as forças Israelitas e ao resto do mundo que a construção deste muro é inaceitável. É um acto de insubmissão. É a reclamação dos seus direitos. É a reclamação das suas vidas. É dizer “Já Basta”. É dar visibilidade aqueles que se tornaram invisíveis para o resto do mundo. É a revindicação e retaliação dos oprimidos sobre os opressores. É a demonstração de uma força que não sossega perante a injustiça. É a voz da tolerância que visa a destruição da intolerância.
É a mesma força que despoletou a revolta em Berlim no dia 9 de Novembro de 1989. Sabemos que em Berlim o muro caiu em 1989. Quando cairá na Palestina?
Segundo Kennedy, num mundo que se deseja livre, o grito mais orgulhoso que se poderia vocalizar era “Ich bin ein Berliner”. Hoje, esta frase caiu em desuso, já não tem o mesmo significado, está demodé. Creio que hoje, mais do que nunca devemos pronunciar: “Ich bin ein Bil’iner”. Para um mundo sem muros e aberto para tod@s.
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