É altura de celebração para as comunidades indígenas, para todos os povos nativos e para todas as etnias bolivianas. É altura do povo Boliviano sair à rua e mostrar com garra, motivação e orgulho o grande passo que se está a dar em termos de direitos, liberdades, garantias e de justiça! Está na altura de reafirmarmos o projecto Boliviano como um projecto de luta comum em todos os lugares onde a opressão aos povos prossegue a sua ofensiva camuflada pelo tenebroso “avanço civilizacional ocidental”.
Apesar de não se ver grande abordagem ao assunto nos media é de realçar que o Sim ganhou na Bolívia. 60% dos Bolivianos votou Sim à nova Constituição.
Finalmente os direitos dos indígenas foram reconhecidos: povo esse sacrificado pela comunidade ocidental em nome do avanço civilizacional (?!?!?!). Os indígenas (80% da população da Bolívia) podem agora passar a dispor de uma quota obrigatória em todos os níveis de eleição, a ter propriedade exclusiva dos recursos florestais e direitos sobre a terra e os recursos hídricos. É estabelecida a equivalência entre a justiça tradicional indígena e a justiça ordinária do país, autorizando as tribos a julgarem e punirem suspeitos de crimes segundo os seus costumes tradicionais, e não de acordo com os preceitos jurídicos herdados da colonização espanhola.
Não se vive num estado de direito… Vive-se sim, um estado multicultural, multiétnico e “multiético”: onde comunidades vivem entre si com leis próprias - respeitando as restantes; onde comunidades vivem com códigos de conduta pessoal e social próprios e diferentes uns dos outros; onde comunidades julgam e punem segundo uma consciência étnica comum, fiel aos valores da sua comunidade; onde comunidades diferentes, opostas se conseguem respeitar e encontrar (sem imposição legislativa) soluções simples e pacíficas para os seus problemas. Não existe portanto uma conjuntura para uma subjugação de liberdades (estado autoritário) – a teoria de John Locke não se adequa neste caso, visto que se os povos coabitam pacífica e positivamente sem grandes problemas não se impõe a necessidade de uma autoridade estatal mas apenas uma regulação de pontos mais extremos… Ambas as tribos, raças, etnias e toda a população em geral consegue viver pacificamente. Obviamente tem de haver um código de justiça base que respeite os direitos humanos mas torna-se totalmente desnecessária uma legislação ambígua, imposta por modelos colonizadores ocidentais que não fazem qualquer sentido naquela específica realidade... (que não passam isso sim de meras teorias que defendem uma grande autoridade estatal baseada num modelo social ocidental que o justifica mas não faz sentido isso existir na Bolívia).
Mas, não nos fiquemos por aqui sobre o novo referendo na Bolívia. A partir de agora vai ser limitada a terra dos grandes latifundiários (entre 10 mil e 5 mil) – acaba-se de vez com os abusos dos regimes monopolistas da terra controlados pelos grandes latifundiários instituídos numa espécie de capitalismo rural “aceitável” (supostamente visando a socialização dos benefícios) excluído o grosso que trabalha a terra – os povos (esses sim em luta pelo bem comum).
A nível económico vai ser exigido às empresas estrangeiras que reinvistam os seus lucros na Bolívia; uma questão de justiça simples – “tudo o que ganhas connosco e à nossa custa tens de investir na nossa terra e em nosso benefício.”
A Igreja contesta o facto de se colocar todas as religiões em pé de igualdade, retirando ao catolicismo o lugar da "religião oficial do Estado". Por outro lado, a Igreja critica a omissão do novo texto em relação ao direito à vida desde a concepção e em relação aos casamentos homossexuais, temendo posteriores legislações progressistas nestes temas – mais do mesmo, sempre do mesmo!
Bem, não quero fazer da Bolívia um paraíso – Não o é… Mas apesar de todos os problemas estruturais provenientes de anos e anos de colonialismo e imperialismo (que reduziram o povo à miséria), apesar de toda uma política falhada no respeito pelos Indígenas; apesar de toda a pobreza proveniente de um modelo de desenvolvimento retrógrado desajustado à realidade local (refém do modelo civilizacional ocidental) a Bolívia caminha a largos passos para uma mudança substancial.
Uma mudança em nome do respeito pelas culturas, pelos povos, pela terra, pela natureza, pela justiça social, pela harmonização das relações culturais, pela socialização dos bens endógenos, dos lucros e das características naturais e sobretudo uma Mudança adequada à realidade social do país.
Esta é uma luta que nos passa muito lado, mas uma luta essencial, inesgotável e rica… Uma luta não só pela libertação dos povos mas uma luta connosco próprios – pela compreensão das culturas, dos seus hábitos, das suas leis, das suas tradições. Uma luta difícil - muitas vezes contra o modelo etnocêntrico da nossa consciência – mas uma luta sobretudo que nos enriquece a todos os níveis.
Sem ela sentir-me-ia incompleto.
Cá estaremos para te ver crescer...
segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
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